Percepção da possibilidade de se tornar real

Lin Tao
 

Significado da presença física do par analítico no espaço físico compartilhado

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O trabalho analítico à distânciaNdaT está se difundindo pelo mundo. Este tipo de setting desafia de diversas maneiras o tradicional setting analítico, incentivando-nos a investigar diversos aspectos do setting e do processo analítico que habitualmente eram considerados estáveis e seguros. Neste artigo descreverei o primeiro encontro em espaço físico compartilhado, de um par analítico, após um longo trabalho psicanalítico à distância, procurando ilustrar o significado clínico percebido pelo paciente sobre a possibilidade de se tornar real na expressão da sua fantasia transferencial. De forma sucinta, discute-se também como combinar o trabalho analítico presencial e à distância.
 
Antecedentes Clínicos
 
A Sra. A tem por volta de trinta anos, é casada, e tem uma filha de 5 anos. É professora numa cidade europeia, para onde imigrou alguns atrás. Está em análise com um analista do sexo masculino por mais ou menos dois anos, com 2 sessões por semana. É um trabalho analítico conduzido apenas através da internet com vídeos. Eles nunca se encontraram antes do trabalho e, quando a Sra. A foi apresentada ao analista, eles tiveram seu primeiro encontro online e continuaram o trabalho analítico através da internet a partir dali. No trabalho analítico à distância a Sra. A conversava principalmente sobre o que acontecia na sua vida, com ligações a sentimentos e vivências da sua infância. Ela desenvolveu uma transferência positiva em relação ao analista. Confiava nele, sentia-se próxima, e muito interessada em ouvir a compreensão do analista a seu respeito. Sentia-se apoiada e contida. A princípio, ela não queria ter oportunidade de encontrar o analista fisicamente, mas à medida que foi se estabilizando cada vez mais no trabalho analítico através da internet, gradualmente foi exprimindo o desejo de, algum dia, encontrar o analista num mesmo espaço físico, num setting tradicional. Às vezes, tinha sonhos eróticos em que estava fisicamente muito próxima ao analista. Apesar disso, não tinha condições de aprofundar e investigar aspetos da transferência sexual.
Recentemente, ela teve oportunidade de se deslocar à cidade em que o analista vive. Iria ficar alguns dias, e expressão de diversas formas o quanto gostaria de conseguir um encontro presencial. Eles discutiram sobre a oportunidade de realizar sessões em setting presencial, sendo que iria ser a primeira vez que ambos se iriam encontrar e partilhar o mesmo espaço analítico.
 
O primeiro encontro no mesmo espaço físico
 
O analista informou o horário e o endereço para a Sra. A e aguardou a sua chegada. Ele não não estava muito seguro sobre a aparência que ela teria na realidade, nem se ela o faria se sentir familiar ou um pouco estranho. Ele sentiu o vontade de manter a continuidade do trabalho analítico meramente à distância, no registo tele-analítico, mas nesse momento não tinha muita certeza de que isso pudesse acontecer.
De forma pontual, ela bateu à porta, e o analista foi abrir a porta, e deparando-se com a Sra. A. Ela vestia roupas esportivas, como se fosse praticar desporto. Ela examinou o analista com curiosidade, como se quisesse se certificar de que ele era o analista conhecido pela internet. Neste primeiro olhar, o analista pôde sentir algo familiar mas simultaneamente estranho nela e na relação criada, suscitando momentaneamente sentimentos complexos em si mesmo. Ela foi convidada a entrar. A Sra. A andou um pouco pela sala, observando-a em detalhe. Quando o analista a convidou a se sentar, ela sentou. De forma rápida, moveu-se rapidamente na cadeira, comentando que esta não era tão confortável como ela expectava, e disse: “você não preparou bem as coisas para me receber”. Havia uma leve decepção cintilando em seu rosto. A seguir, disse que não iria conseguir tirar partido da sessão porque o analista não tinha providenciado uma cadeira suficientemente confortável para ela. Após algum tempo, comentou que, antes da sessão, tinha querido testa o analista acerca dele ter ou não arranjado uma cadeira bem confortável. O analista interpretou que aparentemente ela estava a testar o cuidado que ele tinha sobre as suas condições físicas. Ela acenou com a cabeça em concordância, e disse que sempre arranjava uma boa e confortável cadeira para si mesma nas sessões analíticas à distância em casa, mas na primeira sessão em que se encontravam no mesmo espaço físico, ela queria se sentir cuidada pelo analista.
No início da sessão, o analista sentiu que prestara muito mais atenção à sua postura e percepção visual, etc. do que nas sessões analíticas à distância. De forma bastante evidente, ele sentia com muito mais intensidade a presença de ambos, e a riqueza da linguagem corporal inerente ao processo comunicacional. Por exemplo, ele apercebeu-se de muitos detalhes da apresentação física da Sra. A. tais como sua aparência, movimento corporal, postura, etc., que transmitiam vivamente material significativo para o auxiliar a sentir e pensar. Enquanto isso, o analista sentia nitidamente que ele também estava totalmente exposto para ela, em termos da sua presença física, de forma muito diferente do que ocorria no espaço virtual através da internet. Essa diferença, como a Sra. A mostrou a seguir, permitiu-lhe aprofundar o processo de transferência erotizada.
Na sessão, a Sra. A. fez uma associação livre sobre estar grávida. Ela contou que fizera sexo com o marido alguns dias antes de se encontrar com o analista, e que faria uma teste de gravidez quando voltasse para a sua cidade. Contudo, se o teste fosse positivo, ela não saberia se teria engravidado antes ou depois da sessão. O analista ficou curioso com a forma como ela colocava o encontro terapêutico como marco coordenador da sua gravidez. Então o paciente respondeu, sorrindo, dizendo que a sua amiga que saiu em negócios com seu chefe homem, voltou grávida deste e depois de regressou esforçando-se por provar que a gravidez estava relacionada com as relações com o marido.
 O analista tentou interpretar que ainda que parecesse que ela dizia estar grávida possivelmente do marido, graças ao sexo com ele antes da sessão, parecia haver uma fantasia oculta de que ela possivelmente poderia fazer sexo com o analista na sessão e dessa forma engravidar. Ao ouvir isso, ela parecia não ser capaz de compreender o que o analista dizia ao explicar que ela não poderia saber que estava grávida imediatamente após o sexo com o marido. O analista ressaltou isso para ela, e disse que ela poderia estar seduzida pela presença física dele, analista, no mesmo espaço físico, além de que, ela também poderia sentir a possibilidade de que sua presença física pudesse seduzir o analista e, por isso, eles poderiam fazer sexo o que levaria à sua gravidez. Ela concordou, acenando com a cabeça, e contou ao analista que ela realmente tivera a fantasia de que eles fariam sexo na sala. Ela disse que sua fantasia sexual a deixara ansiosa, e se preocupara que o analista se deixasse influenciar de forma negativa por ela, por exemplo, temendo que o analista não conseguisse dar conta do trabalho analítico tão bem quanto antes, perdendo a sua função analítica e, assim, ela seria considerada como uma paciente com problemas graves.
 
Discussão
 
Comparado ao trabalho analítico presencial, o trabalho analítico à distância pela internet revela certas limitações (Lin Tao, 2015). É absolutamente necessário conhecer o significado dessas limitações ao trabalho analítico e não apenas criticá-las. Neste artigo, descrevi como a presença física dos dois participantes incitou uma tempestade emocional (Bion, 1979) na primeira sessão, e até antes, no mesmo espaço físico após o longo trabalho analítico apenas à distância. A mudança de setting mostra que surgiu em ambos os participantes um senso de ligação claro e vivo em termos de vínculo emocional baseado na presença física no mesmo espaço físico. A Sra A aproveitou a presença física do analista, ao seu lado, para testar o cuidado do analista para com ela no espaço físico compartilhado, verificando se a poltrona na sala do analista era suficientemente confortável. Isso parece indicar que ela sentiu algo faltando, no que toca à função de holding do analista quando agida no espaço virtual tele-analítico anterior, remetendo para a questão o terceiro espaço entre o seu próprio espaço físico e o do analista. Ela precisara preparar tudo, tal como sala, poltrona, computador, etc., por si só. Isso ressalta o fato de que no trabalho analítico em pessoa, o paciente e o analista podem tem uma unidade significativa não só da mente e corpo individuais, mas também das duas unidades individuais tanto de mente quanto de corpo, realizando um dos ditos da filosofia chinesa “a unidade de mente e corpo como um todo”. Assim, comparado ao trabalho analítico à distância, o trabalho analítico em pessoa proporciona uma situação total, especificamente em termos da sua conexão relacional em que a presença física de cada participante frente a frente um ao outro assume significado psicológico claro e vivo. Isso leva ao senso total da situação inclusive da unidade mente e corpo, e certamente também seu espaço físico compartilhado, bem como um senso mais vivo de estar no aqui e agora (King, 1973) com o outro. O significado clínico disso manifestou-se vividamente na fantasia sexual da Sra. A sobre o analista bem como a base inconsciente para essa fantasia.
            A Sra. A. fantasiou que poderia ficar grávida do analista no primeiro encontro em seu espaço físico compartilhado. Embora ela possa ter tido fantasias sexuais relativas ao analista no trabalho analítico à distância no passado, esta é bem diferente. No trabalho analítico à distância, sua fantasia sexual era muito mais uma fantasia apenas, na medida em que ela sabia que, na realidade, o analista jamais poderia penetrar seu corpo a milhas de distância através da tela do computador; contudo, ao partilharam o mesmo espaço físico, a fantasia poderia se tornar realidade. O conteúdo da fantasia nesse encontro era principalmente a respeito de engravidar do analista, o que fez surgir, quando se abriu, sua ansiedade de que o analista pudesse ficar estragado ou ela ser considerada uma paciente com perturbação grave. O primeiro encontro com a paciente no espaço físico partilhado depois de um longo trabalho analítico à distância indica um ponto muito essencial sobre o significado do trabalho analítico tradicional em pessoa, isto é, quando a paciente desenvolveu sua fantasia e transferência em relação ao analista, há uma possibilidade oculta em sua mente de que a fantasia e os desejos possam se tornar realidade, por exemplo, o sexual. Essas fantasias juntamente com o senso da possibilidade oculta de se tornar realidade no espaço físico compartilhado podem realmente tornar a fantasia e a transferência muito mais reais, atraentes para ela com valência de pressão emocional, que, eu penso, é uma parte muito necessária do trabalho eficaz sobre a transferência.
            Parece que, para compensar isso, o trabalho analítico à distância deveria ser combinado com trabalho analítico em pessoa, de forma regular, de modo a permitir ao paciente desenvolver o necessário senso de possibilidade de se tornar real em termos de sua fantasia e desejos na relação transferencial, ainda que essa possibilidade seja posta no encontro futuro em pessoa quando ainda estiverem em trabalho analítico à distância. No entanto, as coisas não são tão simples como apenas o oferecer trabalho analítico regular presencial, em conjunto com o trabalho tele-analítico. Por exemplo, o encontro analítico regular “em pessoa” pode levar o paciente a preferir este último, e passar a ficar expectante deste processo presencial na continuidade do trabalho virtual.
 
O problema nesse caso pode ser que o paciente passe a desejar o contato com o analista num outro espaço e tempo, em vez do aqui e agora proporcionado pela relação à distância. Pode chegar ao ponto de que o paciente se afaste da relação no aqui e agora, e dificulte a continuidade das sessões tele-analíticas.
Noutros casos, pode suceder exatamente o oposto, em que o paciente se sinta tão pressiunado no espaço físico compartilhado, que prefere a relação com o analista somente no espaço virtual através da internet, e em tais casos, o ajuste de tele-analítica pode tornar-se uma forma para se esconder, funcionando como um espaço que facilita a ocorrência de refúgios psíquicos (Steiner, 1993). Na realidade, torna-se necessário compreender muito bem o significado dos dois tipos de configurações para cada paciente específico, bem como a combinação do tratamento de ambos os processos, presenciais e tele-analíticos.
Em suma, o trabalho analítico à distância é um campo novo, que necessita ser investigado e compreendido.
 
 
Referências
 
Bion, W. R. (1979) Making the best of a bad job. In: Clinical Seminars and Other Works (pp. 321-331), ed. F. Bion. London: Karnac, 1994.
 
King, P. (1973) The therapist-patient relationship. Journal of Analytical Psychology.
18: 1-8.
 
Lin, T. (2015) Teleanalysis: Problems and limitations. Chapter 9, Psychoanalysis Online 2: Impact on Development, Training, and Therapy. Edited by Jill Savege Scharff. (Will be published in 2015).
 
 
Tradução: Tania Mara Zalcberg
NdaT No original: tele-analytic.
 

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